Total de visualizações de página

Translate

Livro Escritores da Periferia

Livro Escritores da Periferia
Uma produção dos alunos da escola Edílson Façanha

quinta-feira, 16 de junho de 2016

A biblioteca de Vila Pia


A biblioteca de Vila Pia

Como no seringal em que passei parte de minha infância não tinha escola, tive que ir para um pequeno vilarejo, que ficava a poucas horas do local em que morava, no mesmo interior de Rio Banco, Acre. Fui morar com minha irmã que já era casada. Ela era jovem, mas na época, na zona rural, as moças mal ficavam moças e já eram “levadas”.  Apaixonavam-se pelo primeiro rapaz galanteador e logo juntavam os panos. Modo de dizer da região. 

No novo lugar os costumes eram outros. Nas noites frias as pessoas se recolhiam mais cedo. Não faziam fogueira no terreiro para se esquentar. Recordo que nessas noites, no seringal, ficávamos ao redor da fogueira ouvindo as histórias que só meu pai sabia contar. Meus cinco irmãos e eu, pequenos curiosos, ficávamos concentrados para sabermos o final, principalmente das de assombração. Também, escutar essas histórias num lugar onde a cerca era a mata fechada tinha que ter coragem! É que na época acreditava-se muito nas aparições de “almas penadas” ou bichos estranhos e encantadores na floresta, principalmente durante as caçadas.

O que posso contextualizar com meu velho seringal é que ainda via-se homens passeando nas ruas montados em seus cavalos. Porém, as pessoas eram mais animadas. Todo final de semana tinha aquele forró. Era um arrasta pé danado!. Também tinha os típicos bares, onde os homens se reuniam para jogar sinuca e falar asneiras. Mas, o que me encantou naquele vilarejo foi a biblioteca comunitária que ficava aos cuidados de enfermeiras italianas e professoras da região. Foi nela que eu descobri a leitura. Ficava horas viajando através dos livros. A cada leitura, uma nova descoberta. Todavia, o que tornava a biblioteca ainda mais nobre era a igreja situada de frente a ela. Era o lugar solidário, onde as pessoas se refugiavam de seus estresses e enriqueciam-se de conhecimentos.

Uma vez li sobre enfermeiras do exército que assistiam pessoas em áreas isoladas. A partir daí começou o meu sonho. Queria ser enfermeira. O que elas faziam era um serviço nobre e extremamente humano. Dedicavam suas vidas aos necessitados, a qualquer hora, em qualquer lugar. Desde então, os meus livros favoritos passaram a ser os de ciências. Não me importava se estavam velhos e empoeirados, o que eu queria mesmo era o conhecimento. Com o passar do tempo, percebi que já não havia estante nova para mim. Já tinha lido todos os livros dessa área.  Porém, todos os dias eu estava na biblioteca. Era minha alegria. Fazia o mesmo trajeto: primeiramente ia à igreja e rezava de frente para a imagem de Jesus, situada no altar e, em seguida partia às carreiras para a biblioteca, gostava de ver a poeira subir, e depois, voltava para a igreja. Acreditava que dentro dela completaria minha sabedoria. Às vezes mudava a rotina e sentava na porta da biblioteca para ver as pessoas passarem e admirar a igreja estruturalmente tradicional e ouvir a batida do sino, todas as santas 18 horas, de cada fim do dia.

O tempo passou e o vilarejo tornou-se mais populoso, menos rústico e calmo, passando a ser uma Vila – a Vila Pia. Nome dado em homenagem a uma das enfermeiras voluntárias, que atuou na época em que o local mais precisou: a malária atuava fortemente na região. Eu, ainda continuava meu trajeto. As mudanças aconteceram, no entanto, os livros continuavam nas estantes da biblioteca, prontos para serem devorados por alguém apaixonado por leitura. Só tinha que dividir meu tempo, já estava atuando na área da saúde.

Em busca de progresso, tive que deixar a Vila. Porém, sempre que posso vou visitá-la e rever as pessoas que fizeram parte de minha jornada, principalmente matar a saudade da biblioteca – a biblioteca de Vila Pia, que passou por mudanças, está mais moderna. E a igreja continua de frente para ela. São dois santos imóveis!  Toda vez que os revejo vislumbro meu passado e me vejo correndo: hora chegando na porta da igreja, outrora na porta da biblioteca. Mas, os santos que me perdoem,  a biblioteca era a favorita.  (Texto baseado na entrevista feita com a sra.Waldete Falque das Chagas, 40 anos).

Aluna: Bárbara Falque de Araújo. (8º ano A).Professora: Francisca Freitas Da Silva Pinheiro./Escola: E. F. Edilson Façanha -Rio Branco – AC.  2014

 

Nenhum comentário: