A biblioteca de
Vila Pia
Como no seringal
em que passei parte de minha infância não tinha escola, tive que ir para um
pequeno vilarejo, que ficava a poucas horas do local em que morava, no mesmo
interior de Rio Banco, Acre. Fui morar com minha irmã que já era casada. Ela
era jovem, mas na época, na zona rural, as moças mal ficavam moças e já eram
“levadas”. Apaixonavam-se pelo primeiro
rapaz galanteador e logo juntavam os panos. Modo de dizer da região.
No novo lugar os
costumes eram outros. Nas noites frias as pessoas se recolhiam mais cedo. Não
faziam fogueira no terreiro para se esquentar. Recordo que nessas noites, no
seringal, ficávamos ao redor da fogueira ouvindo as histórias que só meu pai
sabia contar. Meus cinco irmãos e eu, pequenos curiosos, ficávamos concentrados
para sabermos o final, principalmente das de assombração. Também, escutar essas
histórias num lugar onde a cerca era a mata fechada tinha que ter coragem! É
que na época acreditava-se muito nas aparições de “almas penadas” ou bichos
estranhos e encantadores na floresta, principalmente durante as caçadas.
O que posso
contextualizar com meu velho seringal é que ainda via-se homens passeando nas
ruas montados em seus cavalos. Porém, as pessoas eram mais animadas. Todo final
de semana tinha aquele forró. Era um arrasta pé danado!. Também tinha os
típicos bares, onde os homens se reuniam para jogar sinuca e falar asneiras.
Mas, o que me encantou naquele vilarejo foi a biblioteca comunitária que ficava
aos cuidados de enfermeiras italianas e professoras da região. Foi nela que eu
descobri a leitura. Ficava horas viajando através dos livros. A cada leitura,
uma nova descoberta. Todavia, o que tornava a biblioteca ainda mais nobre era a
igreja situada de frente a ela. Era o lugar solidário, onde as pessoas se
refugiavam de seus estresses e enriqueciam-se de conhecimentos.
Uma vez li sobre
enfermeiras do exército que assistiam pessoas em áreas isoladas. A partir daí começou
o meu sonho. Queria ser enfermeira. O que elas faziam era um serviço nobre e
extremamente humano. Dedicavam suas vidas aos necessitados, a qualquer hora, em
qualquer lugar. Desde então, os meus livros favoritos passaram a ser os de
ciências. Não me importava se estavam velhos e empoeirados, o que eu queria
mesmo era o conhecimento. Com o passar do tempo, percebi que já não havia
estante nova para mim. Já tinha lido todos os livros dessa área. Porém, todos os dias eu estava na biblioteca.
Era minha alegria. Fazia o mesmo trajeto: primeiramente ia à igreja e rezava de
frente para a imagem de Jesus, situada no altar e, em seguida partia às
carreiras para a biblioteca, gostava de ver a poeira subir, e depois, voltava
para a igreja. Acreditava que dentro dela completaria minha sabedoria. Às vezes
mudava a rotina e sentava na porta da biblioteca para ver as pessoas passarem e
admirar a igreja estruturalmente tradicional e ouvir a batida do sino, todas as
santas 18 horas, de cada fim do dia.
O tempo passou e o
vilarejo tornou-se mais populoso, menos rústico e calmo, passando a ser uma
Vila – a Vila Pia. Nome dado em homenagem a uma das enfermeiras voluntárias,
que atuou na época em que o local mais precisou: a malária atuava fortemente na
região. Eu, ainda continuava meu trajeto. As mudanças aconteceram, no entanto,
os livros continuavam nas estantes da biblioteca, prontos para serem devorados
por alguém apaixonado por leitura. Só tinha que dividir meu tempo, já estava
atuando na área da saúde.
Em busca de progresso, tive que
deixar a Vila. Porém, sempre que posso vou visitá-la e rever as pessoas que
fizeram parte de minha jornada, principalmente matar a saudade da biblioteca –
a biblioteca de Vila Pia, que passou por mudanças, está mais moderna. E a
igreja continua de frente para ela. São dois santos imóveis! Toda vez que os revejo vislumbro meu passado
e me vejo correndo: hora chegando na porta da igreja, outrora na porta da
biblioteca. Mas, os santos que me perdoem, a biblioteca era a favorita. (Texto baseado
na entrevista feita com a sra.Waldete Falque das Chagas, 40 anos).
Aluna: Bárbara Falque de Araújo.
(8º ano A).Professora: Francisca Freitas Da Silva Pinheiro./Escola: E. F.
Edilson Façanha -Rio Branco – AC. 2014
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