Total de visualizações de página

Translate

Livro Escritores da Periferia

Livro Escritores da Periferia
Uma produção dos alunos da escola Edílson Façanha

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Festa junina em 1981


Como de costume, antes do anoitecer já começávamos a juntar os gravetos. Precisávamos fazer nossa fogueira. Era noite de Santo Antônio. O Santo católico “casamenteiro”. Naquele mês de junho de1981, no município de Tarauacá, Acre, todos os Santos eram homenageados. Sem contar que as pessoas acreditavam que eles poderiam ajudá-los em suas dificuldades do cotidiano. O santo “casamenteiro” era famoso, pois os jovens ficavam ansiosos, na expectativa de encontrarem sua cara metade, nesse dia santíssimo.
Nesse tempo o município era praticamente rural. Sensacional! A maior parte das pessoas residia no seringal. E as poucas que ficavam no centro demonstravam atitudes e costumes típicos do meio rural. As crenças, o devoto aos santos, a alimentação, as rezas de Ave Maria e Pai Nosso que eram repetidas por várias vezes numa missa, em casa. Todos tinham na parede a imagem da santa. A diferença é que nos seringais não havia igreja, mas as pessoas se reuniam na maior casa do local para rezar.
Meus amiguinhos e eu juntávamos os gravetos o mais rápido possível. Tínhamos pressa para apreciarmos a bela fogueira e para competirmos. O grupo que conseguisse fazer a maior fogueira, mais acesa e estrondosa, ganhava elogios, reconhecimento dos pais e dos vizinhos. Era uma satisfação sem tamanho. Lembro que ficávamos até meia noite ao redor do fogo que parecia querer nos falar por meio de estalos. Conversávamos, brincávamos. Quando o fogo estava brando, iniciavam-se os pulos. Todas as crianças passavam pela fogueira. Era a nossa dança. Nossa festa no mês de junho.
Como toda menina sapeca, no desejo de ganhar a competição da mais bela fogueira, lancei nela um frasco de um produto químico, muito utilizado na época, nomeado por Detefon. Ele servia como inseticida, até contra pragas na agricultura. Sem noção do que poderia acontecer, cito o risco, porque acreditava que só iria aumentar o fogo, após o lançamento vi que a consequência foi maior. Houve uma explosão na fogueira. Eram pedaços de gravetos para todos os lados. As crianças corriam e gritavam. Mas, foi apenas um susto repentino. Retornaram e a travessura acabou sendo o foco de alegria naquela noite linda.
Um dos meus encantos por aquela noite de santo era a comida típica: mandioca, banana e milho eram assados na própria fogueira. Não tínhamos que irmos de barraca em barraca para comprarmos comida. Nem tinha barraca. Providenciávamos o nosso alimento conjuntamente. As pessoas se uniam e contribuíam com o que podiam. No final, todos ficavam satisfeitos e até sobrava para o dia seguinte. Porém, o meu encantamento maior era a alegria e a paz que reinavam a nossa festa. Elas purificavam o espírito festivo de todos.

O mais curioso dessas noites de junho era que enquanto as crianças saltavam a fogueira os adultos se apadrinhavam. Era o batismo na fogueira. Cada um escolhia o seu padrinho e a sua madrinha e estendiam os braços, seguravam-se pelas mãos e rezavam. Eu não entendia a reza, no entanto, eles se benziam e demonstravam-se respeitosos uns com os outros por toda a vida. Era um pacto abençoado que perdurava.

Esse era nosso arraial. Não tinha competição de dança, a música ficava por conta da viola e das crianças que faziam questão de cantar suas cantigas ao redor da fogueira. Nossa bebida era o suco natural. Tudo era nos moldes do catolicismo. Havia um respeito religioso pleno em cada atitude demonstrada durante a festividade. Assim, acontecia nossa festa junina. Simples e abençoada, diferente da contemporaneidade, na qual os destaques são outros. Não há mais fogueira, muito menos batismo de fogueira. O que ocorre é uma publicidade marcante, na qual reina a competição de barracas, quem vende mais, que grupo dança melhor: o fato mais famoso e atraente das festas juninas de hoje, éa mistura  de bingos, sorteios e até consulta às cartas. Constata-se uma multiplicidade numa festa que antes era tão mais singela e totalmente católica, voltada extremamente aos santos. Mesmo com todas as mudanças, ainda prefiro as que marcaram minha infância. As que foram festejadas sob a benção do padre e enfeitadas com a fogueira.
 
Aluna: Katriele. (8º ano C)
Professora: Francisca Freitas Da Silva Pinheiro.
Escola: E. F. Edilson Façanha -Rio Branco – AC. 2014
(Texto baseado na entrevista feita com Dulcilene Souza Aguiar Vieira, 43 anos.)

Nenhum comentário: