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Livro Escritores da Periferia

Livro Escritores da Periferia
Uma produção dos alunos da escola Edílson Façanha

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A ladeira



Tarde que não findava... Lá estava minha mãe pilando o arroz no terreiro, mais precisamente na frente da casa. Estava na posição que ficava de lado para a ladeira, que por sinal, marcou a vida de todos daquele seringal: o Seringal Esperança, situado em Xapuri, no Acre. O Esperança era o único lugar que minhas três irmãs e eu conhecíamos. Não tinha mundo mais belo do que aquele. A mata rodeava o terreiro. Até se ouvia a onça avisar que estava perto. No silêncio da noite, amedrontava os bichos, a gente. A casa coberta de palha com o jirau pendurado nas paredes de ‘paxiuba’, as galinhas ao redor completavam a paisagem fantástica do meu lugar.

Amanhecia, entardecia, anoitecia e a ladeira continuava ali. Que ladeira aquela! Tão inclinada! E a castanheira? A árvore imponente da Amazônia, situada em seu topo, completava sua beleza. Lembro que quando os cachorros latiam, todos olhavam para a ladeira. Era sinal de visita chegando. Sempre que podia,ficava sentada na varanda admirando-a, na expectativa de alguém chegar. Era apaixonada pela ladeira. “Ai, que saudades de subir e descer a ladeira!”Mas, voltando àquela tarde que não teve fim, recordo que minha mãe soltou bruscamente o pilão, fixou o olhar rumo à ladeira. Eu, que estava na varanda como de costume, gritei que alguém descia.

Uma senhora vistosa e um rapaz  com feição diferente da nossa raça desciam silenciosamente. Minha mãe correu. Era uma pressa que nunca a vi ter.  Fiquei intrigada. Muitas pessoas já tinham descido e subido aquela ladeira enorme e minha mãe continuava tranquila. No entanto, naquela tarde foi diferente. Ela gritava: mamãe! Mamãe! Minha mãe parecia ser uma menina pedindo proteção. O abraço não terminava. As lágrimas não cessavam.

A tarde continuava e o abraço em frente à ladeira também. Minhas irmãs e eu não entendíamos nada. A senhora também nos abraçou, todavia não sabíamos o motivo de tal ação. Só dizia que era nossa avó. Não sabíamos nada a respeito. Ainda continuava sendo uma estranha.

A tarde não terminava. Era conversa que não tinha fim. Escutei palavras que nunca ouvira: avó, avô, tia, tio, primas, primos... Eram estranhos para mim, já que só existiam meus pais, minhas irmãs e alguns conhecidos da colocação.

Uma das falas de minha avó, no diálogo com meus pais chamou-me a atenção. “Ah, lá vocês terão vida melhor.”Insistia “ Minhas netas vão estudar!”

No caminho do igarapé.Aliás resplandecente , suave aos pés por ser coberto de folhas marrons, verdes,  amarelas – divertidas-,  minha então avó me acompanhava. Fazia-me perguntas sobre o meu mundo. Eu, balançando as panelas, suadas da frescura de água natural,  respondia cantarolando. Como não gostar desse lugar de alegria, de pureza da floresta, encantos e soberania?

Na manhã seguinte aquela tarde continuava... Corre para lá, corre para cá!. Eu só sabia que devia obedecer. Ajudei minha mãe a arrumar as malas. Quando dei por mim, estávamos subindo a ladeira. Lá do topo avistei o lugar que tanto amava. Tão sublime! Mal sabia que aquele seria meu último olhar a ele. Apenas fui. A ladeira não podia ir. Lá mesmo permaneceu. A viagem seria longa. Parti sem saber para onde ia. Parti sem saber exatamente o que sentia. Fui com o olhar a gotejar: lagrimava como um rio cheio.

Aluna:Juliana Mariano (8º C) 2014.

Professora: Francisca Freitas S Pinheiro.  / Escola Edison Façanha. 2014( Entrevista feita com Francisca Freitas – 30 anos)

 

 

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