De
frente para o rio
No
meu tempo era assim: as brincadeiras e os brinquedos eram inventados pela
própria criança. Eu fazia carrinhos com roda de sandália e lata de óleo, trator
com cabo de vassoura, lata de conserva e de goiabada. A de conserva servia como
pá e a de goiabada como volante. Também tinha competição com aro de bicicleta.
Meus irmãos e eu ficávamos livremente nas ruas empurrando o aro com uma vareta.
Saudáveis tempos, em que todos brincavam sem receio de um carro desenfreado ou
de algum “lobo mal” interromper a diversão. Era tudo mais tranquilo.
Mas,
o que me enche a memória de alegria é lembrar o lugar onde esses momentos
aconteceram. Morava numa casinha situada de frente para o Rio Acre. Naquela
época sua água era mais fresca, por ser rodeado de árvores frondosas, pois o
homem ainda não tivera lançado tantos dejetos. Essa casinha situava-se na Rua
Beira Rio, no Bairro Cidade Nova, em Rio Branco, no Acre, que ainda aparentava
ser um bairro dentro da floresta, de tanto verde que o cercava. Lembro-me como
se fosse hoje: o lar sendo construído de madeira nova, retirada ainda verdinha
com aquele aroma puro e natural que só a floresta tem. Acredito que esse era o
motivo de suas paredes serem resistentes. Cansei de bater os pés nelas quando
fazia o embalo de “vai e vem” na rede. Empurrava com força e não estremecia.
Na
casa residiam doze pessoas: meu velho pai, homem trabalhador, minha mãe, a
rainha sábia e os dez filhos (cinco meninos e cinco meninas). A hora da refeição era a mais divertida para
nós. A comida era servida em bacia. Eram duas bacias, divididas em dois grupos
de três crianças e um de quatro. Isso dava uma confusão daquelas, com direito a
colheradas na testa e mordidas no braço. Nesse momento éramos competidores. O
mais esperto levava vantagem. Tal atitude acontecia porque por maior que fosse
a porção de arroz, feijão e ovos com carne seca fritos, se tornava pequena pela quantidade de
crianças. No entanto, minha mãe resolvia a situação num piscar de olhos. Tinha
em mãos o cinto do papai. Apartava os rebeldes para a divisão da comida ser
justa. E tudo acabava bem.
Todas
as manhãs, levantávamos cedinho. Antes de irmos tomar aquele café preto que só
minha mãe sabia fazer, tínhamos que arrumar nossas dormidas. Dobrávamos nossas
velhas redes todos os dias. Somente nossos pais tinham cama, sendo que, uma
cama trabalhada em madeira custava os “olhos da cara”. As horas da tarde eram as mais gostosas para
nós. Íamos tomar banho no rio. Eram pulos, gritos, “caldeiradas”. A alegria
irradiava sem limites naquelas águas.
As
noites me encantavam. Como todo menino sonhador de heróis, ficava sentado na
porta, que dava de frente para o rio, com um bonequinho de madeira. Era o meu
guerreiro. Fantasiava-o em várias batalhas, nas quais o monstro era a sombra de
uma das minhas mãos. A lua iluminava a
batalha e jorrava seu reflexo no rio, deixando-o ainda mais belo. Energia vinda
diretamente do céu, pois não existia eletricidade para os pobres. A casa era
iluminada por velas ou lamparinas. Somente os ricos ocupavam suas noites
assistindo televisão. Era o recurso tecnológico mais atraente da época. Nem
celular, vídeo game, muito menos computador existia para nós. Mesmo assim,
éramos felizes e saudáveis porque ocupávamos nosso tempo gastando energia e não
acumulando gordura com brinquedos que a criança nem precisa se mexer.
Se
me pedirem para dar detalhes daquele lugar, atualmente, apresento ruas,
avenidas lotadas de carros, ônibus, motos, caracterizando um trânsito estafante
com “fonfons”, palavrões e insultos constantes, num sol escaldante, logo pela
manhã e pessoas apressadas, correndo contra o tempo para chegarem ao
trabalho. As paredes de tábua da casinha
foram trocadas pela areia e cimento. O rio ficou ainda mais barrento com muito
lixo boiando em suas águas não mais frescas, as árvores que o rodeavam foram substituídas
por inúmeras casinhas. Tudo mudou. Porém, podem mudar tudo, só o que não podem
mudar é o que tenho comigo: as lembranças. Essas estão guardadas e com elas
posso voltar ao passado à hora que desejar e vê-lo e senti-lo no presente.
TEXTO
FINALISTA- MÉMORIA LITERÁRIA – MEDALHA DE PRATA- ESTADUAL- OLIMPÍADA DE LÍNGUA
PORTUGUESA 2014.
Aluno: Rodrigo Verus da
Silva. (8º ano F)
Professora: Francisca Freitas Da Silva Pinheiro.
Escola: E. F. Edilson Façanha -Rio Branco – AC. Entrevistado: Rubemilson Batista da Silva, 47 anos.
Professora: Francisca Freitas Da Silva Pinheiro.
Escola: E. F. Edilson Façanha -Rio Branco – AC. Entrevistado: Rubemilson Batista da Silva, 47 anos.
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